quarta-feira, 9 de março de 2016



Boa parte do cinema dito “surreal” é acompanhado de uma série de cenas que remetem às mais íntimas extravagâncias comportamentais que refletem, de forma difusa, ideias e conceitos emaranhados em complicados significados e ao desatento, parecem não fazer sentido algum. A capacidade de se entreter com o improvável e de lutar para mudar o inevitável revela características marcantes da personalidade daquele que aprecia a sétima arte surrealista. Agora, nunca pergunte ao autor de uma destas obras “o que é que você quis dizer?” por que a ideia central de toda a arte é a de que cada um deve ter sua própria interpretação e o autor estragaria a surpresa se revelasse o fio condutor que teceu toda narrativa. Os surrealistas se deleitam com o impossível. Tudo o que é fora de contexto é, de alguma forma, engraçado, ou não?



Desenvolvida a partir do Dadaísmo, o objetivo da arte surrealista é nos surpreender com algo improvável e nos causar emoções, tais como ocorrem com crianças, que experimentam pela primeira vez uma emoção. O Surrealismo surgiu para revolucionar a experiência humana em seus aspectos pessoais, culturais, sociais e políticos. Livrando as pessoas de suas falsas racionalidades, elas são mais capazes de perceber as restrições das estruturas de seus costumes. Na política, já esteve associado ao comunismo e ao anarquismo, mas sua expressão está muito além daquilo que qualquer sistema humano possa propor, a não ser, talvez, pelo reino da “Rainha de copas” de Alice, no país das maravilhas.

http://3.bp.blogspot.com/_bvuf_w90SLs/SKjVlU6nSOI/AAAAAAAADAw/fSOG1ySPumo/s400/dali+por+jean+dieuzaide.jpg
A arte surrealista recebeu influência direta das novas ideias de Freud de livre associação e análise dos sonhos, que são métodos amplamente empregados por artistas surreais, como forma de liberar a imaginação. Como diria Salvador Dali, “Existe apenas uma diferença entre um louco e eu. Eu não sou louco.” Quem diz quem é louco? Classificações arbitrárias. Segundo a classificação do CID-10 da OMS, qualquer comportamento que destoe dos padrões estabelecidos pelas normas socialmente aceitas pode ser considerado esquizofrênico. E é interessante como, na verdade, o histórico de esquizofrenia, que muitas vezes está relacionada com epilepsia do lobo temporal, pode levar a sintomas como aumento do potencial criativo e hipergrafia. Quando os quadros estão sintomáticos, esses indivíduos sentem uma intensa necessidade de escrever, o tempo todo e associam ideias de forma livre, sem regras, criando arte a partir de elementos mais intuitivos do que racionais.


A ideia de justaposição também é amplamente difundida, sendo que é quase impossível separar quem é o autor, quem é o expectador, o que é mentira e o que é verdade, mas mesmo assim, a ideia geral é repleta de significados e símbolos, que, para cada pessoa, se aplica de forma diferente.  Meus diretores favoritos são o chileno Alejandro Jodorowsky, o americano David Lynch, o canadense David Cronenberg e o dinamarquês Lars Von Trier. Um dos meus filmes favoritos é uma animação do Richard Linklater, chamada “Waking life” [1], que é uma junção de uma série de diálogos filosóficos distintos de uma personagem que está vivendo um sonho dentro do outro e tendo consciência disto. Terry Gilliam também é um dos meus diretores favoritos e é um surrealista de nascença, expressando isso com o humor do Monty Python. Ele era responsável pelas animações de abertura e também dirigiu os filmes, sendo que boa parte do humor do grupo era embasado em situações totalmente fora de contexto, como uma cidade em que quanto mais engraçado as pessoas caminhassem, mais importantes elas seriam [2]. Ou então o episódio em que os atores descobriram que estavam dentro da televisão e que estavam sendo vigiados, prendendo-se paranoicos em uma sala. É muito interessante perceber como este estilo permite uma combinação muito mais dinâmica de elementos, entre eles a não linearidade. Os filmes Amnésia [3] de Christopher Nolan e Irreversível [4] de Gaspar Noé, por exemplo, são contados de trás para frente.

Existem algumas teorias da física moderna que defendem o modelo de supersimetria, onde seria possível que, em outro plano da realidade, toda a existência tal qual a conhecemos, poderia estar se desenrolando cronológicamente, ao contrário, do término do evento ao início. Alguns especulariam que este plano existencial poderia se manifestar em nossa realidade, de maneiras sutis, além de nossa limitada percepção. Esta ideia de “realidades contidas em nosso interior” é explorada em vários lugares, desde obras de Shakespeare até no cinema. Eu destacaria a forma como dois blockbusters modernos trataram este tema, sendo influenciados por filosofias praticamente antagônicas. Matrix [5], dos irmãos Wachoscki é influenciada pela ideia de realidade totalitária que nos impõe restrições ao conhecimento da verdade, como defendido pelos filósofos fortemente influenciados pelo estruturalismo, como Foucault e Jean Baudrillard. Já “A origem” [6], do Christopher Nolan, defende um modelo mais interiorizado da condição humana, como o defendido por Giles Deleuze.


Diferente de todos os animais que conhecemos, somos os únicos seres capazes de criar realidades internas, sonhos dentro de sonhos, personagens criados por personagens, mundos dentro de mundos. As implicações metafísicas deste tipo de observação são amplamente vastas, mas a psicanálise também tem um modelo para explicar esses fatores, de forma independente e destoante da visão de Foucault, em vários aspectos. Entretanto, a forma como o universo onírico foi concebido por Nolan está mais ligado à necessidade deste elemento inverossímil em sua trama, pois todos sabemos que os sonhos não seguem uma sequencia lógica ou mesmo cronológica como a mostrada neste filme. Pelo menos não do ponto de vista de quem está sonhando... Por isso, meu filme favorito com o tema “história dentro de história” é o esquisitíssimo “Quero ser John Malckovich” [11], que tem uma metáfora extraordinária sobre manipulação e também sobre autoconhecimento.


Mas a experiência onírica é muito melhor explorada por Neil Gayman nos graphic novels da série “Sandman” e a forma como nossos sonhos refletem quem nós somos é muito bem explorada no romance “Coraline”, do mesmo autor, que também virou filme [7]. Outro filme que retrata de forma mais fidedigna a experiência onírica é o clássico de Alfred Hitchcock, Spellbound [8], onde a cena em que o indivíduo conta seus sonhos para um terapeuta foi dirigida por Salvador Dali. Este trecho foi fortemente influenciado pelo clássico “O cão Andaluz”, de Luís Bruñuel [9], que era amigo pessoal de Salvador Dali até este dizer publicamente as visões políticas e religiosas de Bruñel, o que acabou lhe causando uma série de problemas profissionais, por ser comunista e ateu.

A influência de Bruñuel na obra de Dali também é vista na obra que Dali fez em colaboração com Walt Disney, que foi finalmente terminada em 2003, Destino [10]. Aos 3:47 minutos tem uma cena em que aranhas brotam das mãos de uma estátua, o que também tinha sido explorado na cena que Dali tinha feito com Hitchcock e também é inspirada na cena de “O cão andaluz”. Após esta cena, uma série de “Sigmund Freuds” andando de bicicletas com pães na cabeça passam lembrando a influência da psicanálise em todo movimento. Esta animação é sensacional, pois tem embutida toda uma metáfora que conta toda a história do movimento surrealista no cinema, que, aliás, foi um movimento que surgiu mais ou menos na mesma época em que o cinema estava surgindo e um ajudou a potencializar ainda mais a importância do outro.


Isto é muito bem mostrado no filme do Martin Scorsese, “A invenção de Hugo Cabret” [12], que foi indicado ao Oscar em várias modalidades. Neste filme, é mostrada parte da trajetória de Georges Mélies, que era ilusionista e se tornou cineasta, trazendo o elemento da mágica para as telas de cinema de uma forma bastante inovadora, como mostrada no filme “Viagem à lua”, em uma época em que a viagem espacial era algo Surreal e ninguém tinha tido a ideia mágica de mostrar extraterrestres no cinema [13].
  
A licença artística do Surrealismo dá ao criador possibilidades infinitas. Para o espírito criativo não devem existir amarras, sejam elas estruturais, cronológicas, sociais, ou mesmo intelectuais. O que é a realidade e o que é ficção? Quem aprecia o conteúdo artístico, deve, em determinado momento, permitir-se ser enganado. Mesmo que inconscientemente, quando vemos uma cena de um filme, vivenciamos a situação mostrada pelo autor. Quanto mais forte a emoção evocada, melhor é a obra artística e o Surrealismo permite que isso seja explorado a extremos.

Isso é muito bem mostrado nos filmes do Feline “A cidade das mulheres” [14] e sua outra versão em “Feline 8 e ½” [15], mas de longe, o filme italiano que consegue evocar as sensações mais fortes é o filme de Pasoline “Salo” [16], inspirado na obra “120 dias de Sodoma de Marquês de Sade”. É muito difícil não sentir nojo vendo a jovem atriz chorando, sendo obrigada a engolir um bastão de merda, mesmo quando você sabe que aquilo é na verdade uma banana com cobertura de chocolate. Estes são elementos da realidade que são colocados de uma forma inusitada para causar emoções, normalmente associadas à elementos surpresa.

Elementos surpresa também não faltam no filme “Brazil” [17] de Terry Gilliam que, neste filme, mostrou-se completamente influenciado pelo livro “O processo” de Franz Kafka. E a influência de Kafka não fica por aí. O conto “A metamorfose” influenciou David Cronemberg no horror biológico “A mosca” [18] e também uma produção recente (e maravilhosa) do Peter Jackson, Distrito 9 [19]. Esses dois filmes trabalham uma série de temas como as transformações que as pessoas sofrem e qual é o impacto de ser diferente, o que não deixa de ser um elemento central também do surrealismo, enquanto ideologia.



Falando em David Cronemberg, eu não poderia deixar de citar um dos filmes mais esquisitos que existem “Naked Lunch” [20], baseado na obra que até então era considerada infilmável de William S. Burroughs, grande expoente da “Beat Generation”. E falando em Peter Jackson, e de adaptações improváveis de romances para as telas, também não poderia deixar de citar “The Lovely Bones” [21], que é um filme, no mínimo, formidável.

Quando as pessoas viram a imagem de um trem vindo em direção à câmera pela primeira vez, todos se assustaram no cinema, com a impressão que iam ser atingidos. Isso em uma filmagem em preto e branco e numa qualidade que hoje é considerada péssima. Hoje temos efeitos especiais e cinemas 3D e está cada vez mais difícil surpreender as pessoas. Mas quando deixamo-nos enganar pela magia da arte, fazemos algo que é muito parecido com o que ocorre no processo hipnótico. Por alguns instantes, colocamo-nos no lugar das personagens e vivenciamos suas emoções como se fossem nossas. Este é um elemento emprestado do teatro. Quando a cena de um filme mostra alguém interpretando alguém que está interpretando alguém, fazemos um exercício que é muito parecido com estar em um sonho dentro de outro sonho. Isto é mostrado com maestria no filme “A cidade dos sonhos” [22] de David Lynch, onde Naomi Watts interpreta uma aspirante à atriz que aparece treinando as falas e interpretando de uma forma completamente diferente durante o teste.


E por falar em teatro, me lembrei do fantástico “Santa Sangre” [23], de Alejandro Jodoroswky, principalmente das cenas do circo, onde a união dos elementos lúdicos do teatro e o cinema surreal são extremamente nítidas. A história segue um roteiro linear, com enredo surpreendente. Diferente do simbólico “Holy Montain” [24] e do chocante “El topo” [25], Santa Sangre possui uma trama com uma profundidade de metáforas que é apavorante. Muita gente vai achar de extremo mal gosto as cenas em que um corpo, logo após sua morte, começa a ser comido por galinhas e cachorros (Influência do filme Catch 22 [26] – outro clássico do estilo). Ou a cena em que ele mostra uma turma de pacientes com síndrome de Down indo se divertir em um prostíbulo, com prostitutas gordas horríveis. Dizem que Jodorowsky não pôde ficar até o fim da exibição do seu primeiro filme “El topo”, tendo que sair correndo para o carro fugindo de uma saraivada de pedras dos expectadores revoltados com as imagens que tinham acabado de ver.


Explorando os abismos dos nossos próprios preconceitos, os filmes do Chileno são sempre extremamente fortes, com cenas que podem trazer repulsa, como pessoas mutiladas e temas perturbadores, como a loucura. E a loucura, que é um elemento fundamental do surrealismo também invade as telas nas mais diferentes formas. Ao mostrar o abismo da alma humana e as mais variadas formas que temos para conversar com nós mesmos, alguns filmes conseguem desfiar tramas sensacionais como o envolvente “The Jacket” [27], ou o misterioso “Jacob’s Ladder” [28], onde você passa boa parte do filme se perguntando o que, de fato, pode estar acontecendo. Todos pensam em suas próprias hipóteses, “é tudo um sonho”, “ele morreu e está no purgatório”, “ele está louco” ou “ele não está louco”.

Recentemente, os mesmos produtores de 300 fizeram o filme “Sucker Punch” [29], que também desfila surrealismo exatamente no formato blockbuster moderno e numa forma recheado de efeitos especiais, conta uma história muito parecida com a de “Um estranho no ninho”. De uma forma muito mais simples e primorosa e contando com a formidável atuação de Jack Nicholson, “Um estranho no ninho” [30] mostra a loucura de um ângulo sensacional, fazendo-nos perguntar o que é aquilo que nos define como pessoas, que é parte da nossa personalidade e o que é aquilo que querem que sejamos. Também é uma metáfora sensacional para o processo de alienação.

Aspectos simples e fundamentais da sétima arte, como a atuação dos atores pode trazer efeitos muito mais surpreendentes que mega produções com efeitos especiais tridimensionais. Os diretores de “A bruxa de Blair” [31] que o digam. E é baseado neste conceito de simplicidade que o cinema de vanguarda do “Dogma 95” se sustenta. Trata-se de uma espécie de “voto de castidade” feita entre alguns diretores em fazer filmes com este “selo”, onde seriam todos baseados nos valores tradicionais do cinema, como estória, atuação e temas, excluindo o uso de efeitos especiais ou tecnologia.


Com esta mesma idéia minimalista, Dogville [32] é uma parábola que conta a história de uma mulher que se esconde de criminosos em uma pequena vila, que a refugia em troca de trabalhos físicos manuais. De uma forma sensacional, Lars Von Trier discute a tolerância humana e a relação poder/submissão de uma forma extremamente profunda sem precisar fazer uso de recursos sofisticados, a não ser a brilhante atuação de Nicole Kidman.

Hoje, no cinema, estes dois elementos convivem o tempo todo. O cinema mais artístico e minimalista é normalmente considerado mais acadêmico e normalmente não são os maiores sucessos de bilheteria. O mesmo vale para a maioria dos filmes com enredo extremamente sofisticado, como são os de David Lynch. O fato é que assim como nós, quando assistimos a uma cena, o ator também está tentando acreditar em sua própria mentira. Com a finalidade de se colocar no lugar da personagem, o ator passa por um processo de auto-hipnose que o transforma, por alguns momentos, em seu próprio personagem, quando evoca em si os mesmos sentimentos que sua personagem sentiria quando estava vivenciando a cena. Para conseguir fazer isso, em determinado momento, é preciso saber arquivar sua própria “personalidade” em espaços distintos de sua própria mente. Algumas pessoas inventam personagens para si mesmas o tempo todo, como amigos invisíveis, para que possam tentar idealizar uma existência onde elas representem mais do que efetivamente são.

Hoje em dia isto é um fenômeno muito comum na internet. Páginas de debates podem se transformar em ambientes surreais invadidos por indivíduos com duplas ou triplas personalidades que conseguem até debater sozinhos e enganar a todos com sua ilusão, exatamente como em um filme. E é por isso que eu prefiro me divertir com a loucura do que me preocupar com ela. O indivíduo que vive com uma outra personalidade dentro de si possui um conflito consigo mesmo que é muito maior que qualquer conflito que ela possa encontrar com qualquer “adversário” virtual que ela possa encontrar.


Filmes que retratam muito bem este dilema são: o primoroso “Síndrome de Caim” [33], o formidável “Clube da luta” [34], e o inteligentíssimo “Personalidade” [35]. Até onde vai a rede de relações que são criadas quando um indivíduo experimenta uma memória ou apenas a memória de um personagem? Como isto é arquivado no cérebro e como influencia a formação da personalidade das pessoas?

Estas são perguntas muito profundas e também é o tema dos filmes “Fixing the Shadow” [36] e “Caçadores de emoção” [37], onde os protagonistas interpretam policiais disfarçados que se infiltram em bandos (motoqueiros no primeiro filme e paraquedistas e surfistas no segundo) e acabam vivendo dilemas sobre a forma como seus personagens influenciaram suas vidas.

A resposta ao estímulo artístico é dependente da ação de áreas inconscientes da mente. Também sabemos que boa parte do nosso inconsciente é formado por arquétipos que são partilhados por vários grupos humanos. E foi assim que, para terminar a postagem, me lembrei de uma cena do filme “A última tentação de Cristo” [38] de Martin Scorsese. O filme narra a trajetória de Cristo, mostrando a mesma sequencia de eventos que é mostrada no evangelho, mas brinca com a possibilidade surreal (neste contexto) de que Cristo não tivesse morrido na cruz e ao invés disso tivesse fugido e formado família com Maria Madalena.


E enquanto caminhava com sua família em uma praça, viu um homem pregando para várias pessoas. Era Paulo, contando como deixou de ser Saulo, após ter tido uma mensagem de Cristo, que o deixou cego por 3 dias. Jesus então se aproxima e pergunta a Paulo se ele já havia estado com Cristo. Paulo responde que não, mas fala sobre os relatos de seus milagres e de como foi crucificado para salvar a todos os nossos pecados.

Jesus acusa-o de mentiroso e diz para todo o público que Paulo estava querendo enganá-los. Em seguida vira suas costas e vai embora, mas é acompanhado por Paulo que quer saber mais sobre aquele misterioso homem. Ao insistir em saber por que aquele homem tinha ficado tão enfurecido e o acusado de mentiroso, eis que Jesus responde:

“_Eu nunca fui crucificado e nunca voltei dos mortos, sou um homem como todos os outros. Por que está contando essas mentiras? Pela primeira vez em minha vida eu a estou aproveitando. Então não saia por aí falando mentiras sobre mim, ou eu conto a todos a verdade!

Paulo responde: _Olhe a sua volta, para toda essa gente. Percebe o quão infelizes eles são? O tanto que eles sofrem? A única esperança deles é o Jesus ressuscitado. Eu não ligo se você é Jesus ou não. O Jesus Crucificado foi o que salvou o mundo e isso é tudo o que importa.

Jesus: _Você não pode salvar o mundo através de mentiras!

Paulo: _Eu criei a verdade a partir daquilo que as pessoas precisavam, daquilo que elas acreditavam. Se eu tiver que crucificar você para salvar o mundo, é isso o que vou fazer. E se tiver que te ressuscitar, eu faço isso também, quer você queira ou não.

Jesus: _Eu não vou deixar. Vou contar a todos a verdade.

Paulo: _Pois conte. Quem vai acreditar em você? Você não sabe o quanto as pessoas precisam de Deus. O quão felizes ele as pode fazer. Elas morrem felizes em nome de Jesus Cristo, o filho de Deus, o Messias! Não você. Não por você. Mas foi bom te conhecer. Agora sei tudo sobre você. E o meu Jesus é muito mais poderoso. Foi bom te conhecer para saber disso.”

“Eu criei a verdade a partir daquilo que as pessoas precisavam”.

Esta frase reflete muito bem como a arte conversa com as pessoas e também como as pessoas conversam com a arte. Com certeza, Jesus Cristo é uma das personagens que evocou mais sentimentos intensos ao longo da história. E não importa a dimensão de veracidade dos registros históricos que temos disponíveis hoje. O fato é que a atitude revolucionária de um grupo de pessoas em uma província quase insignificante do Império Romano teve repercussões que moldaram completamente a forma de pensar do mundo inteiro em gerações futuras.

E ao tentarmos nos colocar no lugar de líderes como Jesus Cristo, idealistas sem medo de morrer por seus ideais, vivenciamos ao máximo as aspirações heroicas dos seres humanos, o que com certeza influenciou grandemente a temática de um número gigantesco de histórias ao longo dos tempos. Por que se você pensar bem, a maioria das histórias humanas são recontagens, com a inserção de elementos que mudam ao longo dos anos de acordo com as transformações culturais de uma sociedade, mas que mantêm as mesmas raízes em símbolos capazes de despertar nosso inconsciente para a experiência do que parece novo, mas é novamente um reflexo de nossos próprios sonhos.

Quando o artista possui licença artística para fazer livres associações, pode criar enredos que podem despertar de forma inusitada, sensações que fogem àquilo que experimentamos regularmente. É por isso que o Surrealismo já está embutido na arte e também na história muito antes de ter o movimento oficializado. Toda a história da humanidade foi contada e recontada, de pessoa à pessoa, de livro à livro e a cada nova cópia, novas intenções escondidas nos arquétipos eram manifestadas e misturadas em uma imensa sopa de letrinhas que forma a cultura humana.

Mas não podemos nos esquecer da beleza que existe na leitura, justamente por carecer de todos os elementos que o cinema pode fornecer. Esta ausência de elementos é importante para que possamos criar o mundo imaginário em nossas mentes, muito antes de ter uma imagem pré-concebida daquilo, o que acabaria com o encanto. É muito legal ler um livro cheio de elementos imaginários e depois assistir a um filme que fez a interpretação daqueles elementos, de acordo com a imaginação do diretor do filme. Mas se você já assistiu ao filme e depois vai ler o livro, estará com suas memórias contaminadas por aquela experiência e tudo o que imaginar, de alguma forma, será influenciado pelas imagens que viu no filme.

Entretanto, do ponto de vista criativo, acredito que nenhuma outra forma de expressão artística humana possa se comparar ao cinema em grau de variáveis que interagem ao mesmo tempo. O que está escrito no roteiro terá que ser interpretado na mente do diretor, dos atores, dos profissionais de cenografia e a mistura de tudo isso resulta em uma obra que mistura teatro, fotografia e música de uma forma extremamente rica. E depois, isso tudo terá que ser interpretado pela plateia.


A função da indústria é fazer filmes que rendam lucro. Do outro lado, para a criação de algo artisticamente rico e intimamente intenso, o artista precisa se despir de todas as suas amarras e permitir que a livre associação o conduza para o melhor que pode conseguir de si mesmo. Por isso, o que é artisticamente rico, poucas vezes recebe reconhecimento financeiro proporcional, sendo que na maioria das vezes o que acontece é justamente o oposto.


[1] Waking Life
http://www.youtube.com/watch?v=uk2DeTet98o
[2] Monty Python – Silly Walk
http://www.youtube.com/watch?v=a17QkZO4mkY
[3] Amnésia
[4] Irreversível
[5] Matrix
[6] A origem
[7] Coraline
[8] Spellbound
[9] O cão Andaluz
[10] Destino
[11] Quero ser John Malckovich
[12] A invenção de Hugo Cabret
[13] Viagem à lua
[14]  A cidade das mulheres
[15] Feline 8 e ½
[16] Salo
[17] Brazil
[18]  A mosca
[19] Distrito 9
[20] “Naked Lunch”
[21] The Lovely Bones
[22] A cidade dos sonhos
http://www.youtube.com/watch?v=JVlhkLddrHI
[23] Santa Sangre
http://www.youtube.com/watch?v=EVdBqvIUnyw
[24] Holy Montain
http://www.youtube.com/watch?v=V_k8oaeHsnc
[25] El topo
http://www.youtube.com/watch?v=3joYVNyyi5w
[26] Catch 22
http://www.youtube.com/watch?v=AB5KlYa3MxE
[27] The Jacket
http://www.youtube.com/watch?v=rCxQ83Pg1Ko
[28] Jacob’s Ladder
http://www.youtube.com/watch?v=rJztRnDxdM8
[29] Sucker Punch
http://www.youtube.com/watch?v=Lz6CmSV9xEs
[30] Um estranho no ninho
http://www.youtube.com/watch?v=34z1o5vVWCw
[31] A bruxa de Blair
http://www.youtube.com/watch?v=D51QgOHrCj0
[32] Dogville
http://www.youtube.com/watch?v=MBcbyBXn2kc
[33] Síndrome de Caim
http://www.youtube.com/watch?v=eW0lwE9DpC8
[34] Clube da luta
http://www.youtube.com/watch?v=J8FRBYOFu2w
[35] Personalidade
http://www.youtube.com/watch?v=S8fjyxM7DgU
[36] Fixing the Shadow
http://www.youtube.com/watch?v=qWX_HgM8NFA&playnext=1&list=PLhyJ5aGypHRXjgm5WhP80KeEzcNPD0LFW&feature=results_video
[37] Caçadores de emoção
http://www.youtube.com/watch?v=1rkIYZ78PEg
[38] A última tentação de Cristo
http://www.youtube.com/watch?v=-4eDFGl6wP4



Texto extraído do debate:


http://duelosretoricos.blogspot.com.br/2012/03/dt-alonso-x-leonardo-surrealismo-no.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário