Boa parte do cinema
dito “surreal” é acompanhado de uma série de cenas que remetem às mais íntimas
extravagâncias comportamentais que refletem, de forma difusa, ideias e
conceitos emaranhados em complicados significados e ao desatento, parecem não
fazer sentido algum. A capacidade de se entreter com o improvável e de lutar
para mudar o inevitável revela características marcantes da personalidade
daquele que aprecia a sétima arte surrealista. Agora, nunca pergunte ao autor
de uma destas obras “o que é que você quis dizer?” por que a ideia central de
toda a arte é a de que cada um deve ter sua própria interpretação e o autor
estragaria a surpresa se revelasse o fio condutor que teceu toda narrativa. Os
surrealistas se deleitam com o impossível. Tudo o que é fora de contexto é, de
alguma forma, engraçado, ou não?
Desenvolvida a
partir do Dadaísmo, o objetivo da arte surrealista é nos surpreender com algo
improvável e nos causar emoções, tais como ocorrem com crianças, que
experimentam pela primeira vez uma emoção. O Surrealismo surgiu para
revolucionar a experiência humana em seus aspectos pessoais, culturais, sociais
e políticos. Livrando as pessoas de suas falsas racionalidades, elas são mais
capazes de perceber as restrições das estruturas de seus costumes. Na política,
já esteve associado ao comunismo e ao anarquismo, mas sua expressão está muito
além daquilo que qualquer sistema humano possa propor, a não ser, talvez, pelo
reino da “Rainha de copas” de Alice, no país das maravilhas.
A arte surrealista
recebeu influência direta das novas ideias de Freud de livre associação e
análise dos sonhos, que são métodos amplamente empregados por artistas
surreais, como forma de liberar a imaginação. Como diria Salvador Dali, “Existe
apenas uma diferença entre um louco e eu. Eu não sou louco.” Quem diz quem é
louco? Classificações arbitrárias. Segundo a classificação do CID-10 da OMS,
qualquer comportamento que destoe dos padrões estabelecidos pelas normas
socialmente aceitas pode ser considerado esquizofrênico. E é interessante como,
na verdade, o histórico de esquizofrenia, que muitas vezes está relacionada com
epilepsia do lobo temporal, pode levar a sintomas como aumento do potencial
criativo e hipergrafia. Quando os quadros estão sintomáticos, esses indivíduos
sentem uma intensa necessidade de escrever, o tempo todo e associam ideias de
forma livre, sem regras, criando arte a partir de elementos mais intuitivos do
que racionais.

A ideia de
justaposição também é amplamente difundida, sendo que é quase impossível separar
quem é o autor, quem é o expectador, o que é mentira e o que é verdade, mas
mesmo assim, a ideia geral é repleta de significados e símbolos, que, para cada
pessoa, se aplica de forma diferente. Meus diretores favoritos são o
chileno Alejandro Jodorowsky, o americano David Lynch, o canadense David
Cronenberg e o dinamarquês Lars Von Trier. Um dos meus filmes favoritos é uma
animação do Richard Linklater, chamada “Waking life” [1], que é uma junção de
uma série de diálogos filosóficos distintos de uma personagem que está vivendo
um sonho dentro do outro e tendo consciência disto. Terry Gilliam também é um
dos meus diretores favoritos e é um surrealista de nascença, expressando isso
com o humor do Monty Python. Ele era responsável pelas animações de abertura e
também dirigiu os filmes, sendo que boa parte do humor do grupo era embasado em
situações totalmente fora de contexto, como uma cidade em que quanto mais
engraçado as pessoas caminhassem, mais importantes elas seriam [2]. Ou então o
episódio em que os atores descobriram que estavam dentro da televisão e que
estavam sendo vigiados, prendendo-se paranoicos em uma sala. É muito
interessante perceber como este estilo permite uma combinação muito mais
dinâmica de elementos, entre eles a não linearidade. Os filmes Amnésia [3]
de Christopher Nolan e Irreversível [4] de Gaspar Noé, por
exemplo, são contados de trás para frente.
Existem algumas teorias da física
moderna que defendem o modelo de supersimetria, onde seria possível que, em
outro plano da realidade, toda a existência tal qual a conhecemos, poderia
estar se desenrolando cronológicamente, ao contrário, do término do evento ao
início. Alguns especulariam que este plano existencial poderia se manifestar em
nossa realidade, de maneiras sutis, além de nossa limitada percepção. Esta
ideia de “realidades contidas em nosso interior” é explorada em vários lugares,
desde obras de Shakespeare até no cinema. Eu destacaria a forma como dois
blockbusters modernos trataram este tema, sendo influenciados por filosofias
praticamente antagônicas. Matrix [5], dos irmãos Wachoscki é influenciada pela
ideia de realidade totalitária que nos impõe restrições ao conhecimento da
verdade, como defendido pelos filósofos fortemente influenciados pelo
estruturalismo, como Foucault e Jean Baudrillard. Já “A origem” [6], do
Christopher Nolan, defende um modelo mais interiorizado da condição humana,
como o defendido por Giles Deleuze.
Diferente de todos os animais que
conhecemos, somos os únicos seres capazes de criar realidades internas, sonhos
dentro de sonhos, personagens criados por personagens, mundos dentro de mundos.
As implicações metafísicas deste tipo de observação são amplamente vastas, mas
a psicanálise também tem um modelo para explicar esses fatores, de forma
independente e destoante da visão de Foucault, em vários aspectos. Entretanto,
a forma como o universo onírico foi concebido por Nolan está mais ligado à
necessidade deste elemento inverossímil em sua trama, pois todos sabemos que os
sonhos não seguem uma sequencia lógica ou mesmo cronológica como a mostrada
neste filme. Pelo menos não do ponto de vista de quem está sonhando... Por
isso, meu filme favorito com o tema “história dentro de história” é o
esquisitíssimo “Quero ser John Malckovich” [11], que tem uma metáfora
extraordinária sobre manipulação e também sobre autoconhecimento.

Mas a experiência onírica é muito
melhor explorada por Neil Gayman nos graphic novels da série “Sandman” e a
forma como nossos sonhos refletem quem nós somos é muito bem explorada no
romance “Coraline”, do mesmo autor, que também virou filme [7]. Outro filme que
retrata de forma mais fidedigna a experiência onírica é o clássico de Alfred
Hitchcock, Spellbound [8], onde a cena em que o indivíduo conta seus sonhos
para um terapeuta foi dirigida por Salvador Dali. Este trecho foi fortemente
influenciado pelo clássico “O cão Andaluz”, de Luís Bruñuel [9], que era amigo
pessoal de Salvador Dali até este dizer publicamente as visões políticas e
religiosas de Bruñel, o que acabou lhe causando uma série de problemas
profissionais, por ser comunista e ateu.
A influência de Bruñuel na obra de
Dali também é vista na obra que Dali fez em colaboração com Walt Disney, que
foi finalmente terminada em 2003, Destino [10]. Aos 3:47 minutos tem uma cena
em que aranhas brotam das mãos de uma estátua, o que também tinha sido
explorado na cena que Dali tinha feito com Hitchcock e também é inspirada na
cena de “O cão andaluz”. Após esta cena, uma série de “Sigmund Freuds” andando
de bicicletas com pães na cabeça passam lembrando a influência da psicanálise
em todo movimento. Esta animação é sensacional, pois tem embutida toda uma
metáfora que conta toda a história do movimento surrealista no cinema, que, aliás,
foi um movimento que surgiu mais ou menos na mesma época em que o cinema estava
surgindo e um ajudou a potencializar ainda mais a importância do outro.

Isto é muito bem
mostrado no filme do Martin Scorsese, “A invenção de Hugo Cabret” [12], que foi
indicado ao Oscar em várias modalidades. Neste filme, é mostrada parte da
trajetória de Georges Mélies, que era ilusionista e se tornou cineasta,
trazendo o elemento da mágica para as telas de cinema de uma forma bastante
inovadora, como mostrada no filme “Viagem à lua”, em uma época em que a viagem
espacial era algo Surreal e ninguém tinha tido a ideia mágica de mostrar
extraterrestres no cinema [13].
A licença artística do Surrealismo dá
ao criador possibilidades infinitas. Para o
espírito criativo não devem existir amarras, sejam elas estruturais,
cronológicas, sociais, ou mesmo intelectuais. O que é a realidade e
o que é ficção? Quem aprecia o conteúdo artístico, deve, em determinado
momento, permitir-se ser enganado. Mesmo que inconscientemente, quando vemos
uma cena de um filme, vivenciamos a situação mostrada pelo autor. Quanto mais
forte a emoção evocada, melhor é a obra artística e o Surrealismo permite que
isso seja explorado a extremos.
Isso é muito bem
mostrado nos filmes do Feline “A cidade das mulheres” [14] e sua outra versão
em “Feline 8 e ½” [15], mas de longe, o filme italiano que consegue evocar as
sensações mais fortes é o filme de Pasoline “Salo” [16], inspirado na obra “120
dias de Sodoma de Marquês de Sade”. É muito difícil não sentir nojo vendo a
jovem atriz chorando, sendo obrigada a engolir um bastão de merda, mesmo quando
você sabe que aquilo é na verdade uma banana com cobertura de chocolate. Estes
são elementos da realidade que são colocados de uma forma inusitada para causar
emoções, normalmente associadas à elementos surpresa.
Elementos surpresa
também não faltam no filme “Brazil” [17] de Terry Gilliam que, neste filme,
mostrou-se completamente influenciado pelo livro “O processo” de Franz Kafka. E
a influência de Kafka não fica por aí. O conto “A metamorfose” influenciou
David Cronemberg no horror biológico “A mosca” [18] e também uma produção
recente (e maravilhosa) do Peter Jackson, Distrito 9 [19]. Esses dois filmes
trabalham uma série de temas como as transformações que as pessoas sofrem e
qual é o impacto de ser diferente, o que não deixa de ser um elemento central
também do surrealismo, enquanto ideologia.
Falando em David
Cronemberg, eu não poderia deixar de citar um dos filmes mais esquisitos que
existem “Naked Lunch” [20], baseado na obra que até então era considerada
infilmável de William S. Burroughs, grande expoente da “Beat Generation”. E
falando em Peter Jackson, e de adaptações improváveis de romances para as
telas, também não poderia deixar de citar “The Lovely Bones” [21], que é um
filme, no mínimo, formidável.
Quando as pessoas
viram a imagem de um trem vindo em direção à câmera pela primeira vez, todos se
assustaram no cinema, com a impressão que iam ser atingidos. Isso em uma
filmagem em preto e branco e numa qualidade que hoje é considerada péssima.
Hoje temos efeitos especiais e cinemas 3D e está cada vez mais difícil
surpreender as pessoas. Mas quando deixamo-nos enganar pela magia da arte,
fazemos algo que é muito parecido com o que ocorre no processo hipnótico. Por
alguns instantes, colocamo-nos no lugar das personagens e vivenciamos suas
emoções como se fossem nossas. Este é um elemento emprestado do teatro. Quando
a cena de um filme mostra alguém interpretando alguém que está interpretando
alguém, fazemos um exercício que é muito parecido com estar em um sonho dentro
de outro sonho. Isto é mostrado com maestria no filme “A cidade dos sonhos”
[22] de David Lynch, onde Naomi Watts interpreta uma aspirante à atriz que
aparece treinando as falas e interpretando de uma forma completamente diferente
durante o teste.

E por falar em
teatro, me lembrei do fantástico “Santa Sangre” [23], de Alejandro Jodoroswky,
principalmente das cenas do circo, onde a união dos elementos lúdicos do teatro
e o cinema surreal são extremamente nítidas. A história segue um roteiro
linear, com enredo surpreendente. Diferente do simbólico “Holy Montain” [24] e
do chocante “El topo” [25], Santa Sangre possui uma trama com uma profundidade
de metáforas que é apavorante. Muita gente vai achar de extremo mal gosto as
cenas em que um corpo, logo após sua morte, começa a ser comido por galinhas e
cachorros (Influência do filme Catch 22 [26] – outro clássico do estilo). Ou a
cena em que ele mostra uma turma de pacientes com síndrome de Down indo se
divertir em um prostíbulo, com prostitutas gordas horríveis. Dizem que
Jodorowsky não pôde ficar até o fim da exibição do seu primeiro filme “El
topo”, tendo que sair correndo para o carro fugindo de uma saraivada de pedras
dos expectadores revoltados com as imagens que tinham acabado de ver.

Explorando os abismos dos nossos
próprios preconceitos, os filmes do Chileno são sempre extremamente fortes, com
cenas que podem trazer repulsa, como pessoas mutiladas e temas perturbadores, como
a loucura. E a loucura, que é um elemento fundamental do surrealismo também
invade as telas nas mais diferentes formas. Ao mostrar o abismo da alma humana
e as mais variadas formas que temos para conversar com nós mesmos, alguns
filmes conseguem desfiar tramas sensacionais como o envolvente “The Jacket”
[27], ou o misterioso “Jacob’s Ladder” [28], onde você passa boa parte do filme
se perguntando o que, de fato, pode estar acontecendo. Todos pensam em suas
próprias hipóteses, “é tudo um sonho”, “ele morreu e está no purgatório”, “ele
está louco” ou “ele não está louco”.
Recentemente, os
mesmos produtores de 300 fizeram o filme “Sucker Punch” [29], que também
desfila surrealismo exatamente no formato blockbuster moderno e numa forma
recheado de efeitos especiais, conta uma história muito parecida com a de “Um
estranho no ninho”. De uma forma muito mais simples e primorosa e contando com
a formidável atuação de Jack Nicholson, “Um estranho no ninho” [30] mostra a
loucura de um ângulo sensacional, fazendo-nos perguntar o que é aquilo que nos
define como pessoas, que é parte da nossa personalidade e o que é aquilo que
querem que sejamos. Também é uma metáfora sensacional para o processo de
alienação.
Aspectos simples e
fundamentais da sétima arte, como a atuação dos atores pode trazer efeitos
muito mais surpreendentes que mega produções com efeitos especiais
tridimensionais. Os diretores de “A bruxa de Blair” [31] que o digam. E é
baseado neste conceito de simplicidade que o cinema de vanguarda do “Dogma 95” se
sustenta. Trata-se de uma espécie de “voto de castidade” feita entre alguns
diretores em fazer filmes com este “selo”, onde seriam todos baseados nos
valores tradicionais do cinema, como estória, atuação e temas, excluindo o uso
de efeitos especiais ou tecnologia.
Com esta mesma idéia minimalista,
Dogville [32] é uma parábola que conta a história de uma mulher que se esconde
de criminosos em uma pequena vila, que a refugia em troca de trabalhos físicos
manuais. De uma forma sensacional, Lars Von Trier discute a tolerância humana e
a relação poder/submissão de uma forma extremamente profunda sem precisar fazer
uso de recursos sofisticados, a não ser a brilhante atuação de Nicole Kidman.
Hoje, no cinema,
estes dois elementos convivem o tempo todo. O cinema mais artístico e
minimalista é normalmente considerado mais acadêmico e normalmente não são os
maiores sucessos de bilheteria. O mesmo vale para a maioria dos filmes com
enredo extremamente sofisticado, como são os de David Lynch. O fato é que assim
como nós, quando assistimos a uma cena, o ator também está tentando acreditar
em sua própria mentira. Com a finalidade de se colocar no lugar da personagem,
o ator passa por um processo de auto-hipnose que o transforma, por alguns
momentos, em seu próprio personagem, quando evoca em si os mesmos sentimentos
que sua personagem sentiria quando estava vivenciando a cena. Para conseguir
fazer isso, em determinado momento, é preciso saber arquivar sua própria
“personalidade” em espaços distintos de sua própria mente. Algumas pessoas
inventam personagens para si mesmas o tempo todo, como amigos invisíveis, para
que possam tentar idealizar uma existência onde elas representem mais do que
efetivamente são.
Hoje em dia isto é
um fenômeno muito comum na internet. Páginas de debates podem se transformar em
ambientes surreais invadidos por indivíduos com duplas ou triplas
personalidades que conseguem até debater sozinhos e enganar a todos com sua
ilusão, exatamente como em um filme. E é por isso que eu prefiro me divertir
com a loucura do que me preocupar com ela. O indivíduo que vive com uma outra
personalidade dentro de si possui um conflito consigo mesmo que é muito maior
que qualquer conflito que ela possa encontrar com qualquer “adversário” virtual
que ela possa encontrar.
Filmes que retratam muito bem este
dilema são: o primoroso “Síndrome de Caim” [33], o formidável “Clube da luta”
[34], e o inteligentíssimo “Personalidade” [35]. Até onde vai a rede de relações
que são criadas quando um indivíduo experimenta uma memória ou apenas a memória
de um personagem? Como isto é arquivado no cérebro e como influencia a formação
da personalidade das pessoas?
Estas são perguntas
muito profundas e também é o tema dos filmes “Fixing the Shadow” [36] e
“Caçadores de emoção” [37], onde os protagonistas interpretam policiais
disfarçados que se infiltram em bandos (motoqueiros no primeiro filme e
paraquedistas e surfistas no segundo) e acabam vivendo dilemas sobre a forma como
seus personagens influenciaram suas vidas.
A resposta ao
estímulo artístico é dependente da ação de áreas inconscientes da mente. Também
sabemos que boa parte do nosso inconsciente é formado por arquétipos que são
partilhados por vários grupos humanos. E foi assim que, para terminar a
postagem, me lembrei de uma cena do filme “A última tentação de Cristo” [38] de
Martin Scorsese. O filme narra a trajetória de Cristo, mostrando a mesma
sequencia de eventos que é mostrada no evangelho, mas brinca com a possibilidade
surreal (neste contexto) de que Cristo não tivesse morrido na cruz e ao invés
disso tivesse fugido e formado família com Maria Madalena.
E enquanto caminhava com sua família
em uma praça, viu um homem pregando para várias pessoas. Era Paulo, contando
como deixou de ser Saulo, após ter tido uma mensagem de Cristo, que o deixou
cego por 3 dias. Jesus então se aproxima e pergunta a Paulo se ele já havia
estado com Cristo. Paulo responde que não, mas fala sobre os relatos de seus
milagres e de como foi crucificado para salvar a todos os nossos pecados.
Jesus acusa-o de
mentiroso e diz para todo o público que Paulo estava querendo enganá-los. Em
seguida vira suas costas e vai embora, mas é acompanhado por Paulo que quer
saber mais sobre aquele misterioso homem. Ao insistir em saber por que aquele
homem tinha ficado tão enfurecido e o acusado de mentiroso, eis que Jesus
responde:
“_Eu nunca fui crucificado
e nunca voltei dos mortos, sou um homem como todos os outros. Por que está
contando essas mentiras? Pela primeira vez em minha vida eu a estou
aproveitando. Então não saia por aí falando mentiras sobre mim, ou eu conto a
todos a verdade!
Paulo responde:
_Olhe a sua volta, para toda essa gente. Percebe o quão infelizes eles são? O
tanto que eles sofrem? A única esperança deles é o Jesus ressuscitado. Eu não
ligo se você é Jesus ou não. O Jesus Crucificado foi o que salvou o mundo e
isso é tudo o que importa.
Jesus: _Você não
pode salvar o mundo através de mentiras!
Paulo: _Eu criei a
verdade a partir daquilo que as pessoas precisavam, daquilo que elas
acreditavam. Se eu tiver que crucificar você para salvar o mundo, é isso o que
vou fazer. E se tiver que te ressuscitar, eu faço isso também, quer você queira
ou não.
Jesus: _Eu não vou
deixar. Vou contar a todos a verdade.
Paulo: _Pois conte.
Quem vai acreditar em você? Você não sabe o quanto as pessoas precisam de Deus.
O quão felizes ele as pode fazer. Elas morrem felizes em nome de Jesus Cristo,
o filho de Deus, o Messias! Não você. Não por você. Mas foi bom te conhecer.
Agora sei tudo sobre você. E o meu Jesus é muito mais poderoso. Foi bom te
conhecer para saber disso.”
“Eu criei a verdade
a partir daquilo que as pessoas precisavam”.
Esta frase reflete
muito bem como a arte conversa com as pessoas e também como as pessoas
conversam com a arte. Com certeza, Jesus Cristo é uma das personagens que
evocou mais sentimentos intensos ao longo da história. E não importa a dimensão
de veracidade dos registros históricos que temos disponíveis hoje. O fato é que
a atitude revolucionária de um grupo de pessoas em uma província quase
insignificante do Império Romano teve repercussões que moldaram completamente a
forma de pensar do mundo inteiro em gerações futuras.
E ao tentarmos nos
colocar no lugar de líderes como Jesus Cristo, idealistas sem medo de morrer
por seus ideais, vivenciamos ao máximo as aspirações heroicas dos seres
humanos, o que com certeza influenciou grandemente a temática de um número
gigantesco de histórias ao longo dos tempos. Por que se você pensar bem, a
maioria das histórias humanas são recontagens, com a inserção de elementos que
mudam ao longo dos anos de acordo com as transformações culturais de uma
sociedade, mas que mantêm as mesmas raízes em símbolos capazes de despertar
nosso inconsciente para a experiência do que parece novo, mas é novamente um
reflexo de nossos próprios sonhos.
Quando o artista
possui licença artística para fazer livres associações, pode criar enredos que
podem despertar de forma inusitada, sensações que fogem àquilo que
experimentamos regularmente. É por isso que o Surrealismo já está embutido na
arte e também na história muito antes de ter o movimento oficializado. Toda a
história da humanidade foi contada e recontada, de pessoa à pessoa, de livro à
livro e a cada nova cópia, novas intenções escondidas nos arquétipos eram
manifestadas e misturadas em uma imensa sopa de letrinhas que forma a cultura
humana.
Mas não podemos nos
esquecer da beleza que existe na leitura, justamente por carecer de todos os
elementos que o cinema pode fornecer. Esta ausência de elementos é importante
para que possamos criar o mundo imaginário em nossas mentes, muito antes de ter
uma imagem pré-concebida daquilo, o que acabaria com o encanto. É muito legal
ler um livro cheio de elementos imaginários e depois assistir a um filme que
fez a interpretação daqueles elementos, de acordo com a imaginação do diretor
do filme. Mas se você já assistiu ao filme e depois vai ler o livro, estará com
suas memórias contaminadas por aquela experiência e tudo o que imaginar, de
alguma forma, será influenciado pelas imagens que viu no filme.
Entretanto, do
ponto de vista criativo, acredito que nenhuma outra forma de expressão
artística humana possa se comparar ao cinema em grau de variáveis que interagem
ao mesmo tempo. O que está escrito no roteiro terá que ser interpretado na
mente do diretor, dos atores, dos profissionais de cenografia e a mistura de
tudo isso resulta em uma obra que mistura teatro, fotografia e música de uma
forma extremamente rica. E depois, isso tudo terá que ser interpretado pela
plateia.

A função da
indústria é fazer filmes que rendam lucro. Do outro lado, para a criação de
algo artisticamente rico e intimamente intenso, o artista precisa se despir de
todas as suas amarras e permitir que a livre associação o conduza para o melhor
que pode conseguir de si mesmo. Por isso, o que é artisticamente rico, poucas
vezes recebe reconhecimento financeiro proporcional, sendo que na maioria das
vezes o que acontece é justamente o oposto.
[1] Waking Life
http://www.youtube.com/watch?v=uk2DeTet98o
[2] Monty Python – Silly Walk
http://www.youtube.com/watch?v=a17QkZO4mkY
[3] Amnésia
[4] Irreversível
[5] Matrix
[6] A origem
[7] Coraline
[8] Spellbound
[9] O cão Andaluz
[10] Destino
[11] Quero ser John Malckovich
[12] A invenção de Hugo Cabret
[13] Viagem à lua
[14] A cidade das mulheres
[15] Feline 8 e ½
[16] Salo
[17] Brazil
[18] A mosca
[19] Distrito 9
[20] “Naked Lunch”
[21] The Lovely Bones
[22] A cidade dos sonhos
http://www.youtube.com/watch?v=JVlhkLddrHI
[23] Santa Sangre
http://www.youtube.com/watch?v=EVdBqvIUnyw
[24] Holy Montain
http://www.youtube.com/watch?v=V_k8oaeHsnc
[25] El topo
http://www.youtube.com/watch?v=3joYVNyyi5w
[26] Catch 22
http://www.youtube.com/watch?v=AB5KlYa3MxE
[27] The Jacket
http://www.youtube.com/watch?v=rCxQ83Pg1Ko
[28] Jacob’s Ladder
http://www.youtube.com/watch?v=rJztRnDxdM8
[29] Sucker Punch
http://www.youtube.com/watch?v=Lz6CmSV9xEs
[30] Um estranho no ninho
http://www.youtube.com/watch?v=34z1o5vVWCw
[31] A bruxa de Blair
http://www.youtube.com/watch?v=D51QgOHrCj0
[32] Dogville
http://www.youtube.com/watch?v=MBcbyBXn2kc
[33] Síndrome de Caim
http://www.youtube.com/watch?v=eW0lwE9DpC8
[34] Clube da luta
http://www.youtube.com/watch?v=J8FRBYOFu2w
[35] Personalidade
http://www.youtube.com/watch?v=S8fjyxM7DgU
[36] Fixing the Shadow
http://www.youtube.com/watch?v=qWX_HgM8NFA&playnext=1&list=PLhyJ5aGypHRXjgm5WhP80KeEzcNPD0LFW&feature=results_video
[37] Caçadores de emoção
http://www.youtube.com/watch?v=1rkIYZ78PEg
[38] A última tentação de Cristo
http://www.youtube.com/watch?v=-4eDFGl6wP4
Texto extraído do debate:
http://duelosretoricos.blogspot.com.br/2012/03/dt-alonso-x-leonardo-surrealismo-no.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário