segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Resenha do filme “Uma Cidade sem Passado”

César Eduardo da Silva Pereira
Resenha do filme “Uma Cidade sem Passado”

Existem duas versões para um mesmo acontecimento histórico. Uma proveniente de documentos escritos e monumentos que são cuidadosamente analisados através de métodos científicos. É a história oficial aceita pelo Estado e imposta por ele, por uma classe dominante, ou pela igreja. A outra constitui-se na memória coletiva que transmite informações de acontecimentos e culturas através da oralidade. Esta transmissão é uma tentativa de manter uma cultura viva ou um fato importante como lembrança à geração atual. É também uma forma de os mortos terem sua última chance de falar. Porém, o Estado ou uma classe dominante poderosa pode tentar suprimi-la ou apagar parte dela em detrimento do que eles consideram como a versão histórica oficial. No filme, Uma Cidade sem Passado de Michael Verhoeven, baseado em fatos reais, a estudante Sonya Rosemberger ao participar de um concurso de redação, cujo tema era Minha cidade durante o III Reich depara-se com essa dificuldade. Quando ela inicia as pesquisas sobre o tema, não consegue ter acesso aos arquivos municipais do período e encontra muita resistência por parte das pessoas que não querem emitir depoimentos acerca do tema. 

        Chama atenção que a própria personagem principal inicia a narrativa. Isso dá a impressão de que ela mesma busca recuperar de sua memória o acontecimento mais importante de sua vida. As cenas do passado são em preto e branco, enquanto as de sua época atual são coloridas. O diretor pode ter escolhido esse aspecto de filmagem para situar o espectador em cada época que a filmagem transcorre, ou, simplesmente, para chamar a atenção do público.
O filme passa-se na Alemanha de 1970. Ele inicia com a personagem principal chamada Sonya narrando a história e mostrando os locais em que viveu. É o período da guerra fria. O país está dividido em dois e um muro corta ao meio a capital Berlim, separando o lado comunista do capitalista. Ela mora com os pais na denominada Alemanha Ocidental, numa cidade chamada Pfilzing. Lá, estuda numa escola tradicional, onde sua mãe leciona Religião e as normas de comportamento eram extremamente conservadoras. Sua família mora no mosteiro A garota interessa-se em participar de um concurso de redação após convite de uma professora. Vence-o e decide participar pela segunda vez. A temática a qual ela escolheu foi sobre sua cidade durante a Segunda Guerra Mundial. Inicialmente, a menina começou a sondar parentes e amigos sobre um padre que havia sido fuzilado por ser contra as leis racistas. Eles recomendaram que falasse com um de seus professores, mas em vão. O mesmo resultado a jovem estudante obteve ao procurar por informações na biblioteca da escola. O curador do local respondeu-lhe que ali só havia obras teológicas. Sonya tentou o Arquivo Municipal, mas não conseguiu acesso. Sua avó passou a contar o que sabia sobre sua vivência daquela época e a aconselhá-la a todo momento. Os depoimentos dela indicavam a possibilidade de famílias da elite local, dos seus políticos atuais e da igreja terem cometido atrocidades em favor do nazismo. Graças a isso, a persistência e a curiosidade, a neta lançou-se para mais tentativas frustrantes de entrevista. 
A partir daí, sua busca tornava-se o trabalho acadêmico da sua vida. O tempo passa. Ela se casou com o seu ex-professor de física, tem filhos e na universidade continua a procurar por informações que provem o que está hipotetizando. Procurou por novos dados nos jornais daquele período que noticiavam padres denunciando judeus. Seu marido descobriu que o ex-professor de história dela apoiava o nazismo. A jovem agora acadêmica conseguiu mais oportunidades de entrevistas. As barreiras de acesso a documentos continuaram. O prefeito era um dos que mais dificultavam o trabalho. A família de Sônia começou a receber ameaças por telefone devido aos possíveis resultados dele que ameaçavam a manutenção da ideia de integridade de várias pessoas da cidade. Sônia processa a cidade para conseguir acesso aos documentos necessários à pesquisa, porém ela apenas consegue a liberação quando levou a imprensa televisiva ao local exigindo a liberação deles. Tempos depois, ela apresentou a conclusão da pesquisa na universidade da localidade. Houve gente da elite, membros atuais do governo local e religiosos envolvidos com crimes nazistas. Recebe um prêmio que se negou a aceitar, pois questionou a quem o dava sobre se tinha medo de que ela desenterrasse mais coisas obscuras. Estava desesperada naquele evento. Relembra de sua época de adolescente e busca, com o filho nos braços, um refúgio na memória: a árvore dos milagres, onde todos faziam pedidos e orações a Deus. Representava sua sabedoria.
Essa cinematografia demonstrou as principais características à condução de uma pesquisa historiográfica. Primeiramente, ela teve um motivo que foi o concurso de redação e depois uma perturbação, devido ao silêncio e as barreiras, as quais ela se deparou. Durante o transcorrer da narrativa, percebeu-se que Sônia utilizou métodos denominados convencionais e outros modernos de exploração histórica. Os primeiros foram os documentos escritos como os jornais da Segunda Guerra Mundial e os do Arquivo Municipal que conseguiu com muita dificuldade, mas essa é uma característica de todo o pesquisador. Marc Bloch diz em Introdução à História que reuni-los é uma das tarefas mais difíceis que cabem ao historiador. Eles representam os testemunhos deixados pela elite, pelo Estado e a igreja que cometeram crimes contra a humanidade na cidade de Pfilzing. Os segundos fazem parte da chamada história oral. São os depoimentos pessoais de quem vivenciou a época, porém a fim de torná-los utilizáveis de maneira formal a personagem usou outro método moderno: a gravação em áudio daquilo que lhe era narrado. Nessa forma de pesquisar, a estudante sofreu um espancamento, pois a pessoa a ser entrevistada não desejava que a conversa fosse gravada. Após realizar a coleta dos mais variados tipos de informações, ela, sempre auxiliada pela família, começou a analisá-las em busca de fatos que se contradizem e daqueles que tornaram sua hipótese em teoria. Após isso, o quebra-cabeças foi montado.
Um dos aspectos mais intrigantes do filme foi o silêncio das pessoas. Aparentemente, todas estavam conscientes de que falar sobre o período da Segunda Guerra na cidade poderia colocar suas vidas e a de suas famílias em risco. A cultura da Alemanha Ocidental pareceu rejeitar a importada dos Estados Unidos que os jovens adoravam como a música e as gírias. Os pais de Sônia não toleravam. Esses aspectos remetem à ideia do senso comum, o que pertence ao cotidiano e não diz respeito à ciência.
Na questão de ética, Sônia foi muito além daquilo que seria considerado normal para conduzir uma pesquisa. Ela se envolveu extremamente com o trabalho acadêmico, colocando sua própria vida e a de sua família em risco. No entanto como futura historiadora, conseguiu reconstituir graças ao cruzamento de depoimentos orais com os escritos o passado recente da cidade e dar a oportunidade de se fazer uma revisão sobre ele, pois o que as instituições (Estado e igreja) consideravam a história oficial contradizia-se com as descobertas. A jovem acadêmica demonstrou amor à pesquisa, um forte interesse por descobrir, entender e publicar, mesmo conhecendo os riscos que corria, pois havia algo maior em jogo: o fato que nenhuma verdade permanece eterna, pois ela depende da interpretação e de quem controla a informação, pelo menos antes de a internet existir.
O filme destacou três locais importantes à personagem. A árvore dos milagres foi o mais memorável. Seu tronco com centenas de imagens fixadas e velas ao redor, onde se deixava pedidos a Deus pelas adolescentes foi uma representação simbólica construída pelo diretor para dizer que a personagem procurava por refúgio na sabedoria. A escola administrada por membros da igreja demonstrou a conhecida educação tradicional alemã com suas aulas de latim e sua rigidez imutável quanto às regras, porém também mostrou a falta de ética dos professores que facilitavam antecipando as respostas das avaliações a quem mais contribuía financeiramente. Por último, o Arquivo Municipal é o lugar onde as respostas a todas as questões se encontram. Nele, os documentos de todas as épocas do lugar eram armazenados e liberados quando permitido aos pesquisadores.

Uma Cidade Sem Passado é interessante para aprender um pouco sobre o ofício de pesquisar. Foi um filme peculiar que nos remete de volta no tempo e desperta curiosidade, embora a maioria dele parece monótono. Contudo, ele serve também para revisar a História Contemporânea: o silêncio que os alemães fazem sobre a Segunda Guerra. Depois de vê-lo, seria interessante assistir à Lista de Shindler do Diretor Steven Spielberg, cuja filmografia foi feita totalmente em preto e branco para transportar o telespectador em uma viagem ao passado.

Veja o filme no link abaixo:
http://www.youtube.com/watch?v=WNXjqc4aXds

2 comentários:

  1. Respostas
    1. De facto foi algo interessante, pouca gente gosta da verdade! A menina Sonia foi curiosa e convincente de que iria encontrar o que pretendia demonstrar ao Mundo. Em todos os países aonde a guerra se fez sentir, passou-se estes moimentos de sequestro, morte e tratamento desumano. Os momentos de guerra são momentos de maltratos e sanguinolentos. Não sei porque é que o homem insiste em matar outros em detrimento do poder. No fim o bom morre e o mau morre também e natureza segue o seu curso. "tudo que nasce há de morrer um dia!

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