segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

RESENHA: A nação entre identidade e alteridade: fragmentos da identidade nacional



Déloye, Yves. A nação entre identidade e alteridade: fragmentos da identidade nacional. In: Seixas, Jacy A.; Bresciani, Maria Stella; Brepohl, Marion (orgs). Razão e Paixão na Política. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2002.  p. 94-112.

Yves Déloye
Yves Déloye é professor de ciência política na Sciences Po Bordeaux e na Universidade de Paris I Panthéon-Sorbonne. É secretário-geral da Associação Francesa de Ciência Política desde 2003, e editor do Jornal da Ciência Política Francesa desde 2009. Ele é um especialista em sociologia histórica da política e da sociologia do ato de votar. Lecionou no Instituto de Estudos Políticos de Estrasburgo e no de Paris. Em 1993, esteve no Brasil, na UNB, para ministrar uma palestra, da qual se produziu este artigo a ser analisado aqui. Este artigo se intitula ‘A nação entre identidade e alteridade: fragmentos da identidade nacional’ e foi publicado em um livro juntamente com todos os textos produzidos naquele evento.


O objetivo principal do autor nesse artigo é analisar certos episódios da luta política na França, em que alguns ‘políticos’ tentaram impor conteúdo à identidade nacional. Para isso, ele parte do pressuposto de que a identidade nacional é modificável como o próprio evento que ela reflete, ou seja, reflexo das lutas históricas desenvolvidas na sociedade.
Antes mesmo de adentrar nas lutas históricas travadas na França no final do Século XIX e no final do Século XX, o autor faz uma síntese do conceito de identidade nacional. Para isso, ele separa as duas palavras ‘identidade’ e ‘nacional’ e procura dar significados estanques às mesmas e depois procura articular estes significados juntando os que melhor se adéquam aos seus interesses para formar dois modelos semânticos.
Deste modo, identidade para o autor vai ter dois significados: primeiro, aquilo que é, ou torna idêntico. Ou seja, traz um caráter de similitude, de homogêneo, de aquisição, mutável. Seguindo esta definição, pode-se dizer que ocorre uma construção social da identidade; O segundo significado se refere, aquilo que permanece idêntico ao longo do tempo. Traz uma concepção histórica e estável do conceito de identidade. Neste sentido, ocorre um enraizamento temporal do caráter, ou seja, há uma reprodução ao idêntico ao longo do tempo, sem mudanças na identidade.
Quanto ao conceito de Nacional, o autor também define dois significados: Primeiro, nação é aquilo que distingue-a das outras, remetendo a uma ideia de fronteira, de um espaço político próprio e avesso ao estrangeiro; Segundo, nação se refere à totalidade, no sentido de pertencer a um Estado único, neste sentido o termo se opõe ao local, ao regional.
Para o autor, as duas acepções geram um problema que é a capacidade do Estado-nação de se apropriar do monopólio da formação da identidade nacional. Em uma primeira dimensão, isso reflete a capacidade do nacionalismo de absorver os grupos primários, dos quais ele despolitiza a identidade. Em outra dimensão, pode ocorrer o enclausuramento da identidade nacional , que a reserva aos que são considerados como idênticos.
Ao juntar as acepções do substantivo identidade com o adjetivo nacional, o autor propõe dois modelos semânticos de entendimento do conceito de identidade nacional. No primeiro, a identidade nacional é colocada em seu longo prazo e tende a privilegiar a permanência e o caráter excludente dessa identidade. No segundo, a identidade nacional é o resultado de um trabalho histórico e culturalmente dotado de homogeneização  cultural, que visa tornar idênticos os indivíduos.
Após colocar em pauta esses dois modelos semânticos, o autor parte para a percepção histórica destes modelos. Ou seja, ele vai buscar na história francesa eventos nos quais pode ser percebida a apropriação de um dos modelos semânticos esquematizados por ele. Para tal, ele escolhe dois eventos, um histórico e um contemporâneo.
Primeiro, o histórico, ele volta ao século XIX, na França, para ressaltar a luta para se estabelecer um conteúdo à identidade nacional francesa. Esta luta foi travada naquele momento por dois grupos: os republicanos, e os católicos. E o principal meio pelo qual esta disputa pode ser percebida, são os manuais escolares.
O autor considera como primeiro modelo a ser analisado os ‘manuais escolares republicanos’, que eram ligados ao Estado e a seus interesses. Nestes aparecem a ideia de ‘fraternidade’, e o seu entendimento de identidade nacional está diretamente ligada ao primeiro modelo semântico: A ideia de permanência, de construção social, de fronteira, de adesão do indivíduo, uma concepção cultural e política menos rígida, mais aberta, menos excludente. O Estado-nação em sua totalidade.
Como segundo modelo a ser analisado, o autor, recorre ao ‘manuais escolares católicos’. Associados à Igreja Católica, eles transmitiam a ideia de que somente a religião católica pode servir para imprimir a marca identificatória permanente. Deste modo, o sistema escolar fica sob o controle da Igreja. E há uma concepção estrutural da identidade nacional, fechada, excludente, imutável, histórica. A nação é um organismo natural, que visa tornar idênticos todos os indivíduos a partir de um ancestral comum – o catolicismo, esse modelo ficou conhecido como ‘Catolicentrismo’.
Posteriormente, o autor passa a analisar o evento contemporâneo, final do século XX. O evento escolhido foi a época do Tratado de Maastricht – 1992. Este tratado se referia a adesão dos países europeus ao que se convencionou mais tarde se chamar de União Europeia. Neste momento, foram travados na França diversos debates acerca da revisão constitucional provocada pelo tratado. Segundo Déloye, surgiram três modelos de argumentação a respeito da noção de identidade nacional francesa, aos quais ele os analisa:
          O 1º modelo – Frente Nacional, foi liderado por Jean-Marie Le Pen (20 de Junho de 1928) que é um político francês que presidiu, até janeiro de 2011, a Frente Nacional, partido nacionalista francês e o mais à direita no espectro político da França. Foi substituído na liderança do partido pela filha, Marine Le Pen, candidata do partido à Presidência do país em 2012. Esse modelo aproxima-se do catolicentrismo. Para ele a identidade nacional francesa é constituída a partir da identidade católica. Ele se apresenta contra a ratificação do Tratado de Maastricht, e a favor de uma concepção fechada de identidade nacional, totalmente excludente.
          O 2º modelo – RPR – liderado por Philippe Séguin (21 de abril de  1943-7 de janeiro de 2010) que foi um político francês, presidente da Assembleia Nacional Francesa entre 1993 e 1997 e presidente da Cour des comptes (Tribunal de Contas Financeiras), da França de 2004 a 2010. Neste modelo, ocorre a naturalização do modelo republicano, o que torna a integração nacional mais difícil. É contra a ratificação do Tratado de Maastricht, porque apensa que a nação francesa é uma experiência multissecular, que deve buscar no passado o seu enraizamento. Possui também uma concepção fechada de identidade nacional.
O 3º modelo – Partido Socialista – foi liderado por Pierre Bérégovoy, (nascido 23 dezembro 1925 e morreu no dia 1º de Maio de 1993. Foi um político francês, que ocupou o cargo de primeiro-ministro de abril 1992 a março 1993, sob a presidência de François Mitterrand. Defendia uma concepção aberta da identidade nacional, pois considerava a identidade francesa compatível com a perspectiva europeia, ou seja, a favor do Tratado de Maastricht. Para este modelo, a identidade é um construto histórico, e a Europa é seu futuro.
          Depois de apresentar os modelos semânticos do conceito de identidade nacional, e de analisar eventos históricos e contemporâneos em que se tentou impor conteúdo à ideia de identidade nacional, Yves Déloye conclui o seu texto afirmando que não é possível, na França, conceber uma representação única da Identidade Nacional. Isso porque ela não pode ser apreendida independente das lutas que opõem os que pretendem impor conteúdos a noção de Identidade Nacional.
          A leitura do texto é agradável, porque o autor com toda a sua erudição consegue escrever de forma simples e inteligível, organizando bem suas ideias e argumentos. Ele consegue alcançar o objetivo proposto e faz uma boa síntese de suas pesquisas históricas. Recomendo este texto a todos que estão junto à academia, docentes e discentes, principalmente àqueles que vão desenvolver suas pesquisas utilizando o conceito de ‘identidade nacional’ tão bem desenvolvido pelo autor.


César Eduardo da Silva Pereira
Mestrando em História
Pontifícia Universidade de Goiás

Bolsista FAPEG
Mais informações sobre o autor:

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